quarta-feira, 7 de novembro de 2012

SAMNYASA E TYAGA


Sri Janardana


SAMNYASA E TYAGA

PRÓLOGO

Dos quatro ensaios que reunimos nesta publicação, o quarto deles, que trata da meditação, “Dhyana”, é novo, enquanto que os três primeiros já foram publicados na revista “The Suddha Dharma”. Contudo, foram feitos alguns acréscimos a estes três para deixá-los em sua forma atual.
 Tampouco é inteiramente novo o quarto ensaio, já que sob a epígrafe de “Temas do Sanátana Dharma Dípika”, se formou parte de uma versão ao inglês do original em sânscrito feito por Sri Vasudeva Row. 
Neste ensaio, foram incorporados vários outros detalhes que lhes dão mais amplitude.

O interesse permanente que estes temas despertam justifica esta publicação, e com maior razão, agora que o mundo atravessa um período de crise, anunciador do nascimento de uma grande civilização futura, a Civilização da Síntese. 
A separatividade egoísta criada pelos ensinamentos do passado, em todos os aspectos da vida, está recebendo agora o golpe decisivo que a deixará fora de ação.

Se se persistisse neste aspecto inservível, com o propósito de perpetuá-lo por meio da ação, da palavra ou do pensamento, seguramente se produziriam desastres. Seria isso de índole maligna, tendência que vai se debilitando cada vez mais. 
Qualquer êxito transitório, que esta tendência consiga alcançar, no presente, é como o resplendor da lâmpada cujo brilho é mais intenso à medida que se aproxima seu esgotamento.

Para aqueles que creem na síntese, estes ensaios lhes interessarão, pois oferecem a ajuda necessária para sincronizar a nossa própria natureza tão diversificada, não só em nós mesmos, mas também em nossas relações com o mundo exterior, como prelúdio da síntese geral. 
A excelente base desta profunda síntese, a Divindade, não é meramente de forma, nem imanente nem transcendente, mas estas três simultaneamente A-U-M e, por sua vez, é inconcebível, O-M. 
Por isto mesmo, as formulações feitas pelos diversos credos existentes são tão-só verdades parciais. 
A humanidade atual está colhendo as consequências de seus apegos a estas meias-verdades.

O primeiro passo do aspirante individualmente para sua própria realização consiste em integrar todos seus pensamentos, palavras e atos na Divindade Suprema, pois Dela emanou a totalidade dos fatores individuais e cósmicos, e nela convergem novamente depois de haver perdurado um tempo. 
Tudo o demais virá ipso facto[1] em ordem sucessiva por Sua Graça e na plenitude do tempo. Ser indeciso ou duro de coração em tempos como os atuais é uma demonstração de ignorância, e a ignorância é a morte. A sabedoria não consiste em nos salvar enquanto os demais são arruinados; tampouco consiste em se destruir sob a falsa ideia de sacrifício. 
O maior sacrifício, seja qual for a tarefa a que possamos estar dedicados, consiste na entrega total e incondicional de si mesmo ao ISHWARA, que é o único Refúgio dos justos e desamparados, e devemos cumprir esta entrega da melhor forma que o saibamos.

Estes ensaios se baseiam inteiramente nos ensinamentos dos Suddhacharyas, que são grandes Yogues, e em sua aplicação subjetiva e objetiva destas verdades, o autor recebeu a benéfica influência delas. Oferecemos aqui àqueles que buscam como chegar à Síntese.

Se o crítico é um cultor dos “ismos” e dirige sua atenção exclusivamente às coisas objetivas e subjetivas, pede-se para que medite um momento na Fonte Total Única antes de começar a opinar sobre estes ensaios, pois, do contrário, lhes escaparão das mãos, já que são uma síntese profunda de tudo; realçamos a palavra “tudo”. Estes ensaios tampouco têm o propósito de destacar uma unidade unicamente na diversidade, mas uma unidade com a diversidade.

Não há por que se preocupar com os termos em sânscrito, já que estes foram explicados amplamente. 
O sânscrito, idioma do Yoga, não tem qualquer preferência pelos “ismos”; Deus, o homem e o universo, sua íntima relação mútua e o método de adoração não são condicionados por nenhuma ideia determinada, mas tão-só pela falta de uma compreensão devida.

É a humilde oração do autor que este trabalho saia ao mundo e cumpra a tarefa a que se destina, entronizando, novamente, no coração de todos e de cada um, a DIVINDADE, fustigando e expulsando a separatividade egoísta, ou dushta-ahankara, que é o mal existente em todo ser humano.
JANÁRDANA



SAMNYASA E TYAGA

Por Sri Janárdana

Entre o grande número de conceitos yogues que requerem um acurado estudo e análise, compreensão e aplicação, antes que alguém possa seguir com êxito o magnífico caminho do Único e Supremo Yoga, o tempo todo e até seu final, destacamos que Samnyasa e Tyaga exigem a nossa mais esmerada atenção e estudo, porque são estes os dois agentes vitais e poderosos cujo auxílio, unicamente, pode tornar possível atingir as alturas celestiais deste Yoga.

A expressão Yoga Supremo, empregada aqui, significa, naturalmente, o Adhyatma-Yoga, ou Suddha Yoga, ou Brahma Yoga, ou Raja Yoga, pois não há outro Yoga superior a este. O ISHWARA encarna periodicamente para recuperar e restabelecer o conhecimento deste Yoga que se havia perdido. 
Não será demais se recordarmos aqui que este Raja Yoga não tem nada em comum com o Ashtanga Yoga de Patanjali, ao qual, equivocadamente por não dizer contrariamente se denominou Raja Yoga.

A finalidade que este Adhyatma Yoga preconiza, embora seja como ponto de partida das aspirações, é o contato direto com o Ishwara único no quarto plano de consciência, denominado tecnicamente Turiya, Avyaktam, o Yogam, glorificado nas Escrituras com os nomes de Paramatma, Vasudeva, Sat-Chit-Ananda Rupa. 
É este a Origem Única de todas as emanações e processos cósmicos; é ELE quem sustém esses processos e emanações, e todos estes convergem Nele finalmente.

É uma Unidade Sublime, cuja magnífica plenitude e riqueza, que a nossa limitada visão apenas é capaz de compreender, pode ser buscada pelo empenho; pode-se alcançar e vivê-la também nesta nossa existência diária e tudo isso mediante a simples aplicação dos procedimentos yóguicos que nos ensina este Raja Yoga. 
Nas palavras do Ishwara encarnado, o Senhor Krishna, a execução e aplicação destas práticas yóguicas, em nossa vida, foi descrita como “prática sumamente agradável” (susukham kartum).

Samnyasa e Tyaga são as influências que atuam como os meios de purificação e sutilização daqueles que estão na senda, para que possam lograr o êxito desejado com seus empenhos.
 Poderemos compreender perfeitamente que estas influências são também agradáveis, se pudermos nos livrar das ideias, significados e práticas grotescas que têm brotado ao redor deles, e se compreendermos o sentido que é dado a estes ensinamentos do Senhor.

Para chegar ao contato com a divindade, no quarto plano, que é de Plenitude, e não meramente o contato com Seus aspectos parciais nos planos inferiores, o primeiro princípio deste Yoga consiste em manter o corpo físico em perfeitas condições, não como um fim em si mesmo, mas como um meio, já que tão-só com a ajuda do corpo físico será possível chegar a realizar a aspiração daquele que vai em busca desta finalidade.

Nos Ensinamentos Sagrados (Shrutis), este ato a respeito do corpo físico, que contém os outros veículos mais sutis, também se considera como um Yoga (tam yagamiti manyante sthiram indriya dharanam). 
E o resultado natural de tão saudável prática é que promove uma atenção muito cuidadosa com respeito a toda atividade de pensamento, palavra e ação – tanto para aquilo que se deve fazer, como daquilo que se há de desistir, de acordo com as normas do Yoga Superior (apramattastada bhavati yogohi prabhavapyayow).

De modo que, para nos livrar não só da influência deteriorante da velhice (Jara), à qual o nosso corpo está destinado, mas também para nos desfazer da ignorância básica que se denomina morte (mrtyu maranam), óbvia é a importância deste Yoga para aqueles que são seus aspirantes (jaramaranamokshaya masitya yatanti yo).

Assim, pois, à medida que o nosso progresso neste Yoga se torna um fato natural de longevidade e, além disso, a imortalidade, com todos os veículos corporais perfeitamente harmonizados, não para mero desfrute das coisas dos sentidos (materiais), nem para satisfazer os afãs egoístas do poder, ou das posses materiais, a fama e os demais benefícios, que são buscados de maneira irracional e apaixonada, mas para atingir o contato divino e, com isso, Sua Graça, a fim de que cheguemos a ser Seus veículos fiéis e adequados para o bem-estar do mundo (lokasangraha).

Sem dúvida alguma, então, se pode assegurar que a técnica efetiva deste Grande Yoga, em suas etapas superiores, é conhecida plenamente por Aqueles que já percorreram esta Senda.
 Eles constituem uma legião neste país – Índia -, ainda agora; mas não se encontram disponíveis no mercado, nem eles ostentam distintivos que possam ser aproveitados para os nossos propósitos e ambições egocêntricas. Unicamente Eles compreendem corretamente essa Plenitude que é BRAHM, tanto no seu aspecto unitário (adhyatma), como na sua múltipla plenitude, em que o funcionamento  de todos os aspectos e atos prossegue firme e permanentemente (Te Brahma tadviduhu kritsnadhyatman karma chakhilam), porque a plenitude deve ser conhecida como Unidade e Multiplicidade como (ekatwena pritaktwena bahuda viswato mukham). São estas as características dos verdadeiros Yogues, os Mestres da SUDDHA DHARMA MANDALAM, que estão sempre trabalhando pelo bem-estar do mundo, em cumprimento do mandato divino.

Inspirado nos ensinamentos divinos, Eles opinam que, para atingir o contato com a Divindade e preservar também o corpo em boas condições de funcionamento, a purificação não é um ato que possa, com toda comodidade, deixar para a Divindade, como pretende a moderna escola de Yoga Integral, a qual, sem qualquer justificativa, atribui a si mesma maior eficiência e poder que o Yoga do Gita; ao contrário, deve-se ansiar pela purificação e atingi-la pelo empenho pessoal ativo e constante. Esta é a condição prévia indispensável para que este objetivo possa ser realizado. 
Tal purificação não será obtida pelo aspirante enquanto não tenha aprendido a criar, gradualmente, em seu organismo Samnyasa e Tyaga  (Samnyasa tyaga suddhireva abhavat). Na ausência desta purificação, o contato divino é mera ilusão e fantasia.

Portanto, é egoísmo negativo no máximo, mais temível que o egoísmo positivo, se por nosso livre arbítrio, baseado em um conceito errôneo do que é a entrega de si mesmo (saranam), resolvermos impulsivamente não efetuar em nós mesmos a purificação necessária, não obstante a Lei Divina dispor que somente nós devemos empreender, mas rogamos à Divindade, esperando que Ela nos purifique, aduzindo ingenuamente que ignoramos até que ponto chega a nossa impureza e imaginando que podemos estabelecer, ou que temos estabelecido contato com Ela de algum modo. Acrescenta-se o poder sutil e o domínio frágil dessa ignorância, se também destacamos e exigimos da Divindade, entre outras exigências, prazo determinado, esquecendo-se com isso da grande verdade de que o tempo é o ISHWARA manifestado e que nós jamais podemos transcendê-lo, submetidos como estamos à sua imperiosa influência (kalohi duratikramaha).
 A não ser que alguém queira enganar-se a si mesmo sobre o ISHWARA, que é o Senhor único do tempo (Kaloshmi), não podemos dizer de forma prudente que o tempo pode ser superado, porque isto significa que possuímos a capacidade de contrair ou prolongar, à vontade, sua duração tal como a conhecemos aqui, e que podemos fazer com que ocorra algum propósito determinado, seja este o que for, no tempo que desejamos.

Um pedido feito à Divindade é um pedido feito ao tempo; contudo, se este propósito, neste caso a purificação, se se deixa nas mãos da Divindade, quer seja por meio de um pedido, o que significa nos submeter ao tempo, ou na esperança de que ELA o fará por nós, não obstante Sua Lei de que nós, e somente nós, o devemos fazer, seria um egoísmo positivo formular o pedido e isso demonstraria que a entrega de si mesmo é incompleta. Ignorância será viver esperando, sendo a fase negativa. 
Tão-só a combinação destas duas fases negativas poderia chegar até à arrogância de pretender transcender a Lei Divina e proclamar, falsamente por certo, um acréscimo ao Yoga do Gita.

É verdade evidente que o egoísmo, de qualquer classe, nos leva a uma queda em qualquer assunto, quer seja em questões de comissão[2] ou de omissão, e em qualquer esfera de ação, quer seja espiritual ou material, tanto mais o será em relação ao Yoga, que é superior a tudo isto e também sua síntese. E enquanto permanece o menor vestígio de egoísmo, quer seja velado ou às claras, a purificação será incompleta. 
Em tal caso, jamais se poderá dizer que se tomou contato com a Divindade como Plenitude, quaisquer que tenham sido os contatos estabelecidos com alguns de Seus diversos aspectos; e, sendo assim, o aspirante não poderá chegar a ser um veículo capaz de refletir a Divindade de maneira fiel e verdadeira; só terá criado um fantasma em si mesmo e nos demais.

Sabe-se muito bem que, com os aspectos divinos dos planos interiores, que possuem nomes diferentes, é possível tomar contatos, valendo-se, para isso, de certas práticas de Yoga que possuem um poder de purificação manifestada menor que o de Samnyasa e Tyaga explicados no Adhyatma-Yoga. Portanto, uma entrega moderada de si mesmo em sua modalidade mais primitiva e em cujo ato afrouxa um pouco poder do Eu egocêntrico, pode atrair a graça divina sem Seu contato visível. Mediante tortuosos métodos de Yoga parcial (Tapasyas), certos Asuras do passado, como Hiranya e Ravana, não purificados de seu egoísmo e apegados em seus desejos, obtiveram os benefícios que ansiavam dos aspectos parciais do Ishwara.

Assim, pois, mesmo quando os nossos motivos sejam impessoais e desejosos do bem geral, conforme a nossa ideia do que é o bem, e ainda que procuremos alcançá-lo por meio do ISWARA ÚNICO que é o mais elevado que seus aspectos, forçosamente vamos fracassar em obter os excelentes frutos que nos oferece o Adhyatma-Yoga, se o egoísmo, seja de que classe for, positivo ou negativo, ainda persistir sem ser eliminado. Este fracasso se deve a que a entrega de si mesmo não é eficiente e incondicional.

Qualquer glória (ananda), poder e outros que alguém consiga alcançar neste plano, não ostentará jamais o selo da perfeição (adhyátmica) mesmo quando puder ser considerado como o maior valor daqueles que os citados Asuras ansiavam e conseguiram.
 É porque, neste caso, teve-se um conceito maior da Divindade que o deles e, além disso, com um propósito mais impessoal que o seu.

Por conseguinte, a influência purificadora de Samnyasa e Tyaga é suprema, pois sua influência e finalidade, sendo dinâmicas, cada uma possui um poder notável por sua utilidade em todo sentido e, embora diferentes em seus métodos, complementam-se reciprocamente, induzindo, desta forma, a atitude de entrega total que facilita a obtenção do resultado desejado. 
A magnitude de sua importância neste Yoga pode ser apreciada na pergunta de Arjuna ao Senhor, pergunta esta que constitui um resumo, em brevíssimos termos, para captar a essência dos ensinamentos contidos em Samnyasa e Tyaga.

Unicamente a influência combinada destes dois poderosos meios poderá desalojar, de seu pináculo, o Eu egocêntrico que provoca obsessão nos indivíduos em qualquer etapa de sua evolução espiritual ou material, obrigando-lhes a girar compulsória e eternamente na roda de nascimentos e mortes, provando, durante a permanência na vida material, os alternantes frutos de seu apego e aversão, os fatores duais e demais coisas deste gênero.

Quer seja estar em sua fase negativa de ignorância, quer seja o baluarte de Tamas, insensível ao saber, embora o tenha ao seu alcance, aquele que o perverta de acordo com seu próprio capricho, quer seja estar em sua fase positiva que se arroga a si mesmo “Eu sou o executor, eu sou o desfrutador” (kartaham bhoktaham), é da própria natureza do egoísmo, com seu domínio firme sobre os veículos intelectual, mental e físico do homem, cegá-lo e atá-lo, acentuando e perpetuando a separatividade em uma ou outra forma, em cujo solo fértil o egoísmo prospera e se multiplica.
 O resultado de tudo isso é que não se executa aquilo que é necessário que se faça e, ao contrário, o que é executado é feito com vaidade e apegos.

Este Eu egocêntrico, cujas manifestações sutis não se podem definir adequadamente quando ele impera, é o evidente distintivo do incompleto (Asampurna); e cada qual poderá avaliar por si mesmo unicamente mediante uma auto-análise baseada em dados precisos.

A influência purificadora de Samnyasa é a que auxilia o aspirante a destruir o sólido muro do egoísmo, em suas variedades diversas, que aprisiona o Eu do homem, separando-o da Divindade. 
Quando se consegue expulsar o egoísmo, chega-se à inteireza (Sampurnatwan); isto é Brahmatwan, Samatwan, buscado pelo yogue.

Pode-se dizer, então, que Samnyasa é a força purificadora negativa e que Tyaga, por outro lado, é o ato de convergir e sintetizar (upasamhrita) todas as multiplicidades da Única Causa Total, ou seja, Brahm, e entregar-se incondicionalmente aos seus Infinitos Poderes (Shákti). 
Assim, e somente assim, o Átman do homem, representante de Brahm, que recebe a entrega, começa a se salvar. Por isto, pode-se dizer que Tyaga é a força purificadora positiva.

Nos livros sagrados (Shrutis) pode-se ver bem que estas influências se seguem uma à outra; Samnyasa vem primeiro e depois Tyaga. Daí a afirmação de que Samnyasaha prathamas suddhihi dwitiya tyaga ucchyate.
Com a finalidade de se chegar a uma compreensão exata do significado destes dois conceitos, será proveitoso fazermos uma breve recapitulação de seus vínculos históricos.

Pode-se afirmar sobre estas duas forças transformadoras, Samnyasa e Tyaga, as quais influem poderosamente na formação do homem integral, que Tyaga assumiu a função ativa e é indiscutível a importância de sua significação. 
Pode-se iniciar com o ensinamento do Gita de que saranagati, ou seja, a entrega de si mesmo ao ISHWARA existente em nosso coração e a BRAHM e sua Shákti (Mamekam) que controlam a totalidade do cosmos, constitui o ato primordial da aspiração yóguica.

Até a época do GITA, pode-se dizer que Tyaga esteve incorporada no significado negativo que era atribuído a Samnyasa, o qual predominava então nos empenhos espirituais; era interpretado erroneamente como a renúncia a toda atividade objetiva.
 Neste país de Samnyasis, somente a palavra renúncia sugere, de imediato, a visão daquelas pessoas vestidas com mantos laranjas; entretanto, esse manto, nos dias atuais, em sua maior parte, é só um mero sinal externo visível e nada mais.

Esta ordem Samnyasa, que é um conceito essencialmente vedantino, é notório que forma uma parte integral da escola Varnashrama Dharma, com sua divisão quádrupla da vida do indivíduo, como da sociedade tomada conjuntamente.

Samnyasa era a quarta etapa na ordem dos Ashramas dessa escola. As três etapas anteriores eram: Vanaprastha, ou do morador do bosque; Grihasta, ou chefe de família, e Brahmacharya, o estudante celibatário que estava instruindo-se e adquirindo o conhecimento dos Vedas e outras ciências, a fim de se capacitar para a vida.

A roupa alaranjada do Samnyasi se supõe indicar ele ter renunciado (e assim o era de fato) a todo laço mundano, tais como as posses pessoais, suas relações com os demais, o proveito pessoal no mundo etc. 
Tal pessoa era considerada consagrada exclusivamente àquelas atividades que conduzem à etapa de Moksha, isto é, à liberação da cadeia de nascimento e morte, e esta é a quarta das finalidades (Purushartas) do ser humano. Admite-se, também, que essa pessoa já tenha cumprido todos os deveres correspondentes às três etapas precedentes de sua vida.

Por tudo isto, torna-se evidente que aquele que se entrega a esta ordem de Samnyasa do Varnasharama-Dharma tem que ser uma pessoa de idade avançada, salvo exceções existentes. 
Não só isto, deve estar perfeitamente convencido de sua resolução e há de ter a coragem suficiente para cortar todos seus vínculos com o mundo. 
Tudo isto não se atinge sem os devidos conhecimentos espirituais.
 A descrição que deles se faz nos Shrutis é característica: Vedanta vignana sunischit arthaha samnyasa yogad yatayaha suddhasatwaha, que se traduz por: “aqueles de convicção firme por seu conhecimento do Vedanta, empenha-se em progredir cada vez mais mediante o Samnyasa-Yoga e são de natureza pura.”

Durante seu período de permanência no bosque, conforme a ordem de Vanaprastashrama, investigou a fundo até chegar à convicção de que, tal como diz a doutrina Vedanta, BRAHM é a Causa Universal. 
O resultado dessa convicção é que o faz assumir a ordem de Samnyasa.

Por conseguinte, pode-se considerar a vida de Samnyasa como de aplicação prática dos princípios e preceitos aprendidos no transcurso da etapa anterior, a de Vanaprastha; daí que estes são denominados de buscadores do conhecimento, que constitui a terceira finalidade (Purusharta), conhecida como Artha, na qual se procura intensificar a compreensão dos diversos termos e expressões contidos na citada literatura da Vedanta.

A palavra Vedanta está formada por “Veda” e o sufixo “anta”, fim; de modo que significa Fim dos Vedas. Isto vem demonstrar que o motivo do estudo está relacionado com a etapa final alcançada depois da satisfação plena da vida no mundo.
 A maneira como se haverão de conseguir tais gozos do mundo constitui a maior parte do conteúdo dos Vedas.

Moksha significa término, o haver completado um determinado ato, ou atos, ou empenhos; portanto, Vedanta é reconhecido como um tratado sobre Mokshadharma e se refere exclusivamente à vida espiritual. 
Esta Vedanta Vidya, ou Ciência Vedanta, é o conteúdo da maioria dos Upanishads, tomados conjuntamente.

Os Vanaprastas, ou Vedantinos, são conhecidos também pelos nomes de Sankhyas, ou Karana-vignanis (conhecedores da Causa); eles discernem qual é o aspecto causal de Brahm.

A palavra Sankya significa números, ou seja, aquilo que é múltiplo. Aqueles que ostentam este nome analisam a variada multiplicidade do mundo, usando o silogismo e a lógica, para chegar à conclusão de que BRAHM é a Causa Universal.
 Entretanto, ocorre que em tais raciocínios é inevitável que as premissas sugiram uma dualidade; resultado disto é que se tem produzido, gradualmente, uma completa separação entre a Causa Universal, BRAHM, e o Mundo, chegando a considerá-los como duas entidades absolutamente distintas, sem relação alguma entre elas.
 A consequência disto, os esforços espirituais e mundanos também se separaram, alegando-se aquilo de que “BRAHM é verdade e o mundo é falso” (Brahman satyam Jagat mitya), frase esta que se encontra em alguns dos Upanishads. Cabe advertir, contudo, que a palavra mitya nesta sentença, não pretende negar a realidade concreta do mundo, mas busca educar a mente do homem, a fim de que não se apegue em demasia às coisas que o mundo contém.

Apesar disto, nas escolas Vedantas surgidas posteriormente, por exemplo, a Adwaita, se apossaram firmemente desta ideia sobre a falsidade do mundo (Mitya-Vada), a qual se constituiu no fundamento de sua doutrina, junto aos dez Upanishads selecionados aleatoriamente entre cento e oito, ou um mil cento e oitenta, segundo outros cálculos. Insistiram firmemente que estes dez Upanishads bastavam para Brahm-vichara, omitindo-se os demais, não obstante conterem um vasto tesouro de conhecimentos. 
Preconizou-se a renúncia total ao mundo como um fim em si mesmo, com todo zelo e decisão. 
Desta maneira, abriu-se a ordem de Samnyasa a todos por igual, qualquer que seja a idade, ou seja, justamente o contrário do costume anterior; agora, só se exige possuírem as condições necessárias. Deste modo, foi como Samnyasa degenerou, pouco a pouco, tornando-se um sistema especulativo carente de realizações. Depois passou a ser um recurso para néscios ociosos, e, ultimamente, tem sido refúgio contra o problema da desocupação. Certamente, há exceções.

Esta modalidade de investigação Vedanta, que tem predominado e é o que se estuda ao se adotar a ordem de Samnyasa, a qualquer idade e sem nenhum merecimento, não foi jamais o que conceberam os criadores do Ashrama-dharma, no qual a qualificação e a idade eram os requisitos para poder ingressar na ordem. Resultado deste Samnyasa indiscriminado tem sido o desmazelo completo no estudo no estudo dos Vedas, apesar deste estudo ter sido obrigatório para a juventude durante sua etapa de Brahmacharya, da qual se afirmava que se estava empenhado em alcançar a primeira das quatro finalidades (Purushartas), ou seja, o Dharma.

Não obstante tudo isto, pode-se julgar favoravelmente o fato de se haver deixado o estudo dos Vedas, já que isto é parte do plano divino, condenados como foram os Vedas de influência qualitativa (Trigunas) pelo Gitacharya.

Os Grihastas, ou chefes de família, se empenhavam em alcançar o segundo dos Purushartas, denominado Kama, o qual se refere aos prazeres da vida, atuando sob a influência dos Vedas, se entregaram, sem restrição alguma, à prática de sacrifícios (Yagnas), para invocar as divindades como Mitra, Varuna, Indra etc.; também a intermináveis ritos, a fim de atingir seus propósitos nesta vida, alcançar também o Céu (Swarga) e ocupar uma situação como a de Indra nos outros mundos depois da morte.

Os meios para a obtenção de tais objetivos formavam a parte principal destes Vedas, a tal extremo que seu estudo despertou verdadeira sede por eles. 
Como resultado, Mukti, ainda tem feito bastante dano sob outros aspectos, levando-nos à nossa condição atual.

Seria conveniente dizer algo aqui acerca do aspecto Varna segundo a escola Varnashrama original do Vedanta. Isto se justifica porque está estreitamente vinculado à Ordem Ashrama.

Em seu sentido literal, Varna significa cor, mas é empregado para nos sugerir a ideia do trabalho que alguém está executando.

O trabalho se classifica em quatro divisões. Primeiro vinha o trabalho do Brahmana, depois o do Kshatriya, seguia o Vaishya e, finalmente, o Sudra. Mais tarde, esta divisão se cristalizou na agrupação por comunidades, que desempenhavam determinadas ocupações assinaladas por seus nomes; finalmente, degenerou, atribuindo-se-lhe o significado de linhagem ou classe social. Entretanto, não foi assim em sua origem, pois correspondia à quádrupla divisão da Ordem Ashrama a que já nos referimos. 
Desta forma, na palavra Varnashrama, a ashrama respectiva indica a etapa em que o indivíduo se encontra em determinado período de sua vida, e Varna denota a ocupação a que encontra.

Na primeira etapa, a da Brahmacharya, a ocupação consistia em Bramana-Dharma, vale dizer, a aquisição de conhecimentos sobre a vida em todas as suas fases.

Na etapa Grihasta, afirmava-se que se estava cumprindo o trabalho de Kshatriya-dharma relacionado com o desempenho dos deveres familiares, os quais se exigiam administrar muitos golpes usando robusta musculatura.

Já como Vanaprastha, seria um Vaishya que adquiria a riqueza, não de posses materiais, mas dos conhecimentos espirituais superiores.

Na condição de Samnyasa, estava entregue aos trabalhos de Sudra-Dharma, fazendo uso prático dos conhecimentos adquiridos na etapa anterior e prestando serviços impessoalmente.

Desta maneira, os três veículos principais do homem: intelecto, mente emocional e órgãos dos sentidos, se exercitavam plenamente; o primeiro deles, nos dias de estudante; o segundo, quando era chefe de família e habitante do bosque; e o terceiro, durante sua vida de Samnyasi.

O trabalho prático de Samnyasi não consistia na execução de algum trabalho manual, mas na purificação e abrandamento dos órgãos dos sentidos e em estabelecer o domínio sobre a persistente tendência destes à exteriorização. Para isto, recolhia-se dentro de si mesmo (Dustendriya vigrimbana vijaypradam samnyasam).
 Era este seu trabalho, Karma, e, à medida que progredia, conseguia aniquilar seu Eu egocêntrico, a impureza raiz, o qual atingido estabelecia sua união (Yoga) com a Divindade. 
Esta é a razão pela qual, na literatura Vedanta original, se declarava que o Samnyasi é um Karma-Yogue. Não nos interessa o nome pelo qual tenha sido designado posteriormente.

Este trabalho de Karma-Yoga do Samnyasi é, portanto, distinto do trabalho (Karma) do chefe de família, porque este, auxiliado pelos Deuses, cujos aspectos ele invoca, se ocupa em dar livre jogo aos seus sentidos e impulsos egoístas.

A purificação dos sentidos, praticada pelo autêntico Samnyasi, se levava a efeito de acordo com a conhecida regra de Sadhana-chatustaya, que é a prática quádrupla para atingir a Mukti e também para a união (Yoga) da alma individual (Jivatma) com a Alma Universal (Paramatma).[3] Este processo em  conjunto se denomina Samnyasa Yoga, mencionado nos Upanishads.

Esta regra de Sadhana-chatustaya foi a que mais tarde deu origem a esta diversidade de escolas de Yoga que se chamam de Hatha Yoga, Ashtanga Yoga, Laya Yoga, variadas técnicas tântricas e outros do mesmo estilo.

Algumas destas escolas degeneraram em exercícios torturantes, aniquiladores do corpo e em atos duros e cruéis karsyanta sarirastam bhuda gramam achetasaha como o Gita os descreve. Isto talvez se devesse a uma equivocada ideia sobre a purificação do corpo, ou ainda fosse o meio de atingir seus objetivos de paixão.

O resultado foi uma divergência entre estas escolas de Yoga e a Vedanta; e ante o fato de que nas escolas Vedantas atuais se omitiram dos seus preceitos muito significativamente a palavra Yoga; é evidente que para estas se dirigem unicamente com o objetivo de se adquirirem poderes (Siddhis). 
Estas escolas Vedantas sustentam que Gnana, mera compreensão intelectual para elas, é o supremo  e um fim em si mesmo para se chegar à Mukti. Isto se fundamenta em que, mediante tal conhecimento, se toma contato com a Divindade. O que ocorre é que seu mais elevado conceito da Divindade é Nirguna e a este se tem dado, equivocadamente, o significado de “sem forma”.

Esta ideia deu origem a outras escolas de Vedanta. Algumas delas afirmam que a devoção (Bhakti), é suprema; esta é a escola Visishtaidwaita
Outra escola, da Dwaita, ou dualista, jurava que os atos (Karmas) tais como a adoração ritual (pujas), os votos (vratas) e os banhos sagrados são, por si sós, de máxima eficiência.

O mais elevado conceito que estas duas escolas têm de Deus é o de Saguna, ou seja, com forma (exemplo Vishnu). 
Porém, este culto a Vishnu fez impacto na primeira escola, a Visishtaidwaita, que preferiu o culto a Shiva. E, desta forma, tem sido toda esta diversidade.

Não foi isto o que a escola Vedanta original havia concebido.
 Pode-se provar claramente o fato de que, das duas divisões principais, que orientavam a vida naqueles tempos, por uma parte Brahmacharya, Grihasta e Vanaprasta e, por outra Samnyasa e o que segue, a primeira destas duas divisões era para atingir os frutos da vida no mundo, adorando a Deus com forma, chame-se a isto Saguna ou como se queira agora; enquanto que na segunda, começando por Samnyasa, o motivo da realização constituía o aspecto Nirguna.

Veremos mais adiante o que realmente significa Nirguna; em todo caso, jamais significou “sem forma”.

De acordo com os progressos alcançados pelos Samnyasis em suas práticas, se lhes classificava antigamente em seis categorias diferentes. 
As quatro primeiras constituíam uma só classe, as duas últimas não.

As quatro primeiras eram denominadas Atmiyas (Espiritualistas), significando, com isso que estavam empenhados à investigação Átmica (espiritual), da variedade Sankya (analítica). 
Este nome de Atmiyas os diferenciava dos que viviam sua vida mundana e são chamados Prakritas (materialistas).

Dessas primeiras quatro categorias de Samnyasis, vinha, em primeiro lugar o Kutichaka, aquela pessoa que vive em uma ermida praticando; depois vinha o Paravrajaka, ou caminhante sem lar; dedicado à instrução do povo; em seguida, a categoria de Hamsa, do qual se afirma que atingiu a perfeita discriminação entre o verdadeiro e o falso; sabe-se, além disso, que o Samnyasi desta categoria procura deixar fora de combate o Eu egocêntrico, recitando, para isso, a famosa f´órmula “Hamsa soham Hamsaha” – “Brahm sou eu, eu sou Brahm”.

Na categoria seguinte, a Paramahamsa, se diz que, como resultado de haver aniquilado o citado Eu egocêntrico, atinge o contato com a Divindade em seu aspecto Nirguna, ou Átman, e permanece imaculado e desligado de toda atividade materialista ou mundana. Este Átman está livre das qualidades (gunatita) e é mera testemunha de tudo; está entronizado no coração de cada um (ishwara sarvabhutanam hriddese ati tishthati). Sabemos pelos Upanishads que é do tamanho de um dedo polegar (angushta matra purusha).

Denomina-se esta realização de contato Nirguna; é a culminação do Karma-Yogam do Samnyasi, porque, nas etapas anteriores, ele já havia tomado contato com os outros aspectos Akshara e Jivatma, da Divindade.

A obtenção deste plano Nirguna é o que se denomina ter alcançado o Adhistana ou Paramstana mencionado no GITA (Yogui param sthanamupidi chadyam). 
Quando chegou até aqui, afirma-se que ele é um Mukta, ou seja, o que se liberou da não ilusória obrigação de seguir na existência cíclica.

Assim é que se justifica seu título de Yogue (Yogaruda), porque, anteriormente, este era um nome de favor que se outorgava porque se encontrava na tarefa (Karma) de ascender os degraus do Yoga (Arurukshu). 
Também lhe é conferido o nome de Vijayi para destacar que conquistou a morte, e se diz que ele está liberado da ação, ou seja, que alcançou a liberdade (Swatantra).

As duas categorias finais do Samnyasi são Turiyatita e Abadhuta.  A primeira das duas significa transcender ao quarto plano (Avyaktam) de realização; a outra denota nudez, porém, neste caso, esta não se refere à roupa, mas destaca a plena liberdade do Princípio Vital para tomar o corpo e deixá-lo à sua inteira vontade.

Pode-se dizer que estas duas categorias finais têm relação com a adoração do aspecto Suddha da Divindade, que é o Paramatma, denominado Suddhatman, nos Upanishads, e capacitam o aspirante para ocupar cargos na Hierarquia que executa o Plano Divino da evolução mundial. 
Sobre isto, podem-se conhecer detalhes na literatura Suddha. Diremos que o Regente Oficial desta Hierarquia é Bhagavan Sri Naráyana; encontra-se na região de Badári, nos Himalaias, e é o representante direto do Suddha-Paramatma.

Afirma-se, ainda, que se desenvolvem vários poderes (Shaktis) durante estas práticas para elevar a consciência (Kosha sankramanam) nos corpos ou envolturas, a fim de chegar ao plano Nirguna
Esses poderes são a demonstração externa do desenvolvimento interno atingido. Contudo, a preocupação constante do Vedanta é não se deixar aprisionar pela influência destes poderes, nem obter lucro por meio deles. 
Esta preocupação é produto do medo ocasionado pelo fato de que o egocentrismo persiste até o último, porque não foi eliminado antes.

Na literatura Suddha, a aspiração a estes poderes é uma norma estabelecida, porque, de início, a prática se inicia por eliminar tal egoísmo, ainda em plena vida ativa, a fim de que esses poderes, gerados de forma pura, podem ser usados pelo bem da humanidade (Lokasangraha).

Estima-se que, deste modo, o Samnyasi, ou Karma-Yogue, terá destruído os efeitos acumulados de suas ações passadas (sanchita-karma), também a semente de futura reencarnação (agami-karma), e que ele está dedicado unicamente a viver até seu término o prarabda-karma que foi  a causa pela qual tomou seu corpo e sobre o qual não tinha controle algum.

Mediante suas práticas, este Samnyasi conseguiu anular os efeitos das ações que causam a reencarnação; por este motivo, se diz dele que alcançou o estado de “inação” (Naishkarmya-siddhi). 
Esta ideia da inação alcançada pelo Samnyasi teve um efeito negativo que, pouco a pouco, se impôs. Justificando-se que o Samnyasi não age, se foi gradualmente abandonando a execução de todo trabalho relacionado com o mundo, qualquer que fosse, quer seja deixando de iniciar atividade alguma aqui ou abandonando, sem atenção alguma, todo trabalho, por inconcluso que estivesse, a fim de assumir o rol de Samnyasi. Isto se deveu a que houve crença errada de que, se se adotasse a atitude de Samnyasa, em qualquer oportunidade e se renunciasse a toda ação no mundo, se atingiria o Naishkarmya-siddhi, para terminar em Moksha (liberação). 
Foi assim que se chegou a crer que Samnyasa significa renunciar a ação.

A prática seguida pela escola Sankya do Vedanta para chegar a ser Mukti e atingir o contato divino, ou união (Yoga), com Nirguna, por meio de Naishkarmya-siddhi, se iniciava com a aquisição do conhecimento de Brahm (Gnana), depois com a fé e a firmeza de prosseguir (Bhakti) e, finalmente, a continuação efetiva (Karma).
 A isto, o Senhor denominou, com toda precisão Gnanayogena Sankhyanam. Contudo, a esta escola Sankya se considera Vishama, a causa de seu postulado inicial de uma dualidade: BRAHM e Jagat[4] como dois aspectos diferentes, sem relação, e que para alcançar BRAHM é necessário renunciar ao mundo. 
Arjuna também esteve assediado por esta mesma crença, quando desejou desistir do combate, não obstante sua plena justiça, para se dedicar aos objetivos espirituais, inspirado nas ideias equivocadas de Naishkarmya-siddhi e Samnyasa que eram então a ordem do dia.

Para desalojar da mente de Arjuna toda ideia acerca de uma dualidade contraposta (dwanda-moha), seja de pensamento, palavra ou ação, que é o resultado do egocentrismo impuro e pessoal, o Senhor deu-lhe seu ensinamento sublime; indicou que se deve seguir o caminho dos Yogues na execução de todo ato e que devemos cumpri-los de acordo com a nossa natureza e em conformidade ao mandato divino, durante a nossa permanência no mundo.
 Este é somente a vestimenta da Divindade, Brahm, no qual Ele opera. Atuando assim, devemos entregar-lhe os frutos dessas ações e nos entregar a nós mesmos, por inteiro e incondicionalmente; deste modo, é como conseguiremos nos liberar e atingiremos o mais elevado contato com a Divindade.

É bem notório que, apesar deste sublime ensinamento, as escolas Vedantas dos últimos tempos têm persistido em sua interpretação equivocada de Samnyasa como renúncia a toda ação no mundo, com distinção à sua preferência por Gnana, Bhákti e Karma, esquecendo-se que, para alcançar o objetivo, é indispensável a síntese de tudo isto. Também, têm havido intermináveis conflitos religiosos. 
Entretanto, o público em geral, sobre o qual se ressaltam estas coisas, abandonou-se a um estado de letargia e indolência, terminando por se converter em servos.

Sem qualquer dúvida, pode-se asseverar que a interpretação do Karma-Yoga, formulada por aquele que se autodenominou Lokamaya Bala Gangadar Tilak, embora seja apenas em parte a verdade a respeito do GITA, ao que tem sido interpretado pelas três escolas Vedantas, de acordo com suas próprias ideologias, conseguiu-se deter a deteriorante influência tamásica que havia se apoderado da Índia durante muitos séculos e cujo resultado é a situação precária em que agora nos encontramos. 
Com o Senhor encarnado, Bhagavan Sri Mitra Deva, a mudança que se destacou, de acordo com o plano divino, e, seguramente, será impulsionada com viva decisão para o seu objetivo.

Na terceira parte deste ensaio, veremos o que o GITA diz a respeito de Samnyasa e Tyaga, e também, embora sucintamente, sobre a natureza da Divindade.

Quando o Senhor exortou Arjuna a tornar-se Yogue e que combatesse, qualificativo este de toda ação em geral, empregou a expressão Karmayogena Yoguinam.

O Karma-Yoga destacado pelo Senhor não era o da Ordem Samnyasa que somente se ocupa de questões subjetivas e acordo com o Vishama-Sankya da Escola Vedanta; ao contrário, referia-se a este tipo de Karma-Yoga que os Yogues antigos cumpriam (Kuru karma twam purvihi purvataram).

Esses eram Adhyatma Yogues e, contudo, participavam do mundo. Como o faziam? Eles atuavam sobre a base de Samatwa ou Brahmatwa, que é Yoga (samatwan Yoga uchyate). 
Para atuar assim, se requeria, certamente, um conhecimento prévio de Sama e Samatwa.

Todo conhecimento, seja teórico ou prático, a respeito de qualquer coisa é Sankhya, a causa da análise que se requer para atingi-lo.

O conhecimento é Vishamma-Sankhya quando carece de toda base sintética; por exemplo, aquele de que BRAHM e o mundo são diferentes, o mesmo para todas as dualidades semelhantes.

O conhecimento é Sama-Sankhya quando se baseia na síntese. Esta base sintética é BRAHM, cuja vestimenta é o mundo. Aqui, o citado BRAHM opera com uma tríplice capacidade: como Princípio Vital (Átman), como Matéria (Prakriti) e como Força ou Energia (Shákti). Afirma-se que o homem é composto destes três; seu conhecimento detalhado constitui o estudo de Gáyatri-Dharma.

Portanto, enquanto Vishmma-Sankhya conduz os homens à separatividade, Sama-Sankhya os conduz ao Yoga, ou União.
 O Yoga é, em si mesmo, uma aplicação desse conhecimento de Sama-Sankhya.

Sabe-se muito bem que somente a teoria a respeito de qualquer coisa é inútil sem a prática, e vice-versa; mas nada poderá ser realizado devidamente sem os conhecimentos corretos. De todos os conhecimentos, o sintético é o supremo, porque facilita o funcionamento sintético, que é excelente e o melhor de todos (Yogaha karmasu kouchlam).

A consequência desta intimidade plena de Sankhya e Yoga se declara praticamente ser uma só coisa (Ekam samkhyamcha yogamcha).
 O GITA é venerado e aclamado como um tratado sobre Yoga Brahma Vidya pelo fato de que é uma exposição completa de tudo o que se refere a Brahm e sua relação com o mundo e, por suas explicações de como são possibilitadas todas as realizações Espirituais, Mundanas e Superiores, por meio de Sankhya e Yoga.

Na expressão Karmayogena Yoginam, há uma diferença vital entre este Karma-Yoga dos Yogues apoiado em Samatwa, e o Karma-Yoga dos partidários da escola Vedanta, que é Vishamma-Sankhya. A diferença consiste em que, enquanto estes últimos dão aos seus objetivos espirituais um caráter abstrato, que se opõe aos empenhos objetivos, e se dedicam exclusivamente a práticas subjetivas, os Yogues, coordenando na síntese que “Tudo é Brahm, tudo é de Sua natureza e tudo é necessário”, se ocupam aqui em atuar sinteticamente, com amor e devoção sintéticos e com conhecimento sintético, antes de passar aos planos superiores de Yoga.

Ambas as escolas reconhecem que Samnyasa é uma atitude necessária em todo Yoga, posto que é Karma-Yoga. A respeito disto, o GITA também diz: Yam samnyamidi prahuhu yogam tam viddhi. Porém, assim como no Sankhya do Vedanta, ou Vishama-Sankhya, o estado Samnyasa é a culminação da vida no mundo, no Sankhya do GITA, ou Sama-Sankhya, é o ponto de partida nesta vida. 
Os ensinamentos contidos no GITA foram dados precisamente para destruir a tendência separatista da escola Vedanta e inculcar a ideia da Unidade Yogue que deve existir entre os empenhos de ordem espiritual e os temporais.

Já vimos que Samnyasa é necessário para que se possa alcançar o fruto máximo do Karma-Yoga Vedanta, ou seja, conseguir tomar contato com a Divindade como Nirguna
Esta frutificação é o resultado de haver eliminado os conceitos de iniciativa egocêntrica existente no Eu egoísta. Esta impureza, que jazia na mente deste tipo de Samnyasi, foi a que impeliu a renunciar anteriormente a todo ato no mundo, por considerá-lo como uma coisa separada. A eliminação dessa impureza constituiu seu último ato; ela provinha de uma errônea interpretação e uma aplicação equivocada da ideia de Naishkarmya-siddhi.

O Samnyasa do tipo Sama-Sankhya do GITA consiste na renúncia a tal Eu egocêntrico em todas as esferas de ação intelectual, mental e física, e este é o primeiro passo absoluto; não é a mera renúncia à ação física como se fosse isto o único de Samnyasa. Esta renúncia só é possível de ser cumprida com êxito se se exclui toda classe de ideias de dualidade contraposta, sintetizando-a mediante o Yoga no BRAHM único  e não pela mera adoção da ordem Samnyasa (samnyasatu mahabado dukkam aptum ayogataha). Somente é um Samnyasi, no verdadeiro sentido da palavra, aquele que completou assim a conquista do Eu separatista, não importa qual seja sua vida, porque ele não ambiciona os frutos para si mesmo, nem para seu grupo restrito (anasrita karma phalam karyam karma karoti yaha sa yogui), nem concebe a ideia de que tal ou qual coisa é boa para ele ou para todos em geral (sarvasankhalpa samnyasi) já que unicamente procura alcançar o êxito no Yoga (Yogaruda).

Chegar a ser um Samnyasi no verdadeiro sentido da palavra é o resultado pleno de haver sintetizado na Unidade os opostos de pensamento, palavra e ação, porque se renunciou ao seu Eu egocêntrico. 
Atinge-se com isto um intelecto desapegado (asaktabuddhi), a conquista sobre as aberrações da mente emocional (Jitatma) e a liberação do apego (vigataspruhaha), com o qual se liberta de toda ação (Naishkarmya Siddhi) Asakta buddhihi sarvatra jitatma vigataspruhaha Naishkarmya siddhim paramam Samnyasena adigacchati.

Não se alcança esta dependência somente em se negar a iniciar qualquer trabalho (Na karmana anarambat naishkarmyam purushosnute), nem tampouco renunciando à ação que deve ser executada (nacha sanya sanadeva); consegue-se isto eliminando as predileções pessoais do Eu impuro e egoísta em toda ação (yasha naham krito bhavo), de modo que qualquer ato que se execute ou que se desista, afirma-se que ninguém não atua mesmo quando o faça de maneira excelente.

Para chegar a conseguir esta atitude mental para toda ação, é óbvio que se deve compreender corretamente a base sintética de todas as manifestações duais; igualmente, há de se estudar e aprender qual é a determinada situação e composição essencial de tais qualidades no mundo e em nosso próprio corpo; isto como primeiro passo, já que estes aspectos constituem o conhecimento real e verdadeiro (Sama-Gnana) – adhyatmagnana nityatwam tatwagnanarthadharsanam.

Daí provém a alusão do Senhor aos Gnanis e Tatwadarsis (Gnaninaha tatwadarsinaha), que são os conhecedores da teoria e prática da aproximação a BRAHM, tanto em sua manifestação unitária como em Suas manifestações múltiplas.

Assim como Samnyasa é o dispensador do ego de separatividade no homem, Tyaga é o que unifica as multiplicidades no Brahm Único – (Ekam) e em Seu Poder (Shákti); à medida que progride esta realização, aumenta em amplitude a entrega de si mesmo, sendo o primeiro de tudo a entrega ao ISHWARA, em nosso próprio coração.

A natureza dos diversos aspectos deste ISHWARA Único que reside dentro e fora está condicionado pela natureza de sua energia (Shákti) com a qual está associado e pela natureza da Matéria (Prakriti), na qual atua em determinado momento. É assim como se diferenciam, em progressiva ascendência, os diversos aspectos do ISHWARA realizados pelo Karma-Yogue, Bhakti-Yogue e Gnana-Yogue, até que, finalmente, o Atma-Yogue atinge, no plano Turiya (o quarto), o contato pleno com a Divindade, o Paramatma eternamente em Yoga. 
É este o único Ator, Desfrutador, Criador, Sustentador, Reintegrador e tudo; nós somos meros agentes. 
Mas como nós não vamos percebendo deste progressivamente, o torvelinho do processo evolutivo mundial nos arrasta fatalmente.

Mediante Samnyasa e Tyaga, também se atingem outros aspectos mais elevados de Yoga que sobrepassam ao Sat-Chit-Ananda, ou seja, o Purusha.

Tudo isto nos demonstra quão importantes são Samnyasa e Tyaga, não só nas etapas superiores do Yoga, como também para ganhar os excelentes frutos desta vida na medida em que os tenhamos aplicado.

No GITA, se descreve, com as palavras seguintes, a natureza do Karma-Yogue que desenvolveu Samnyasa e Tyaga plenamente: Yatswabhavatmatatvagnihi karanihi upalakshyate anadimadhyanidana soantarami saswataha, que se traduz por: “Eu, o Morador Interno, sem origem, meio nem fim, sou o que discernem os Karma-Yogues como o Princípio de associação  Átmica (espiritual) com Prakriti (matéria), em termos de causas e efeitos.”

O Karma-Yogue adora nisto ao ISWARA como Antaryami, o Sutratma, ou seja, Imanência, qual o fio das contas (sutre maniganaiva), interno e externo, expresso como as cinco causas que governam o mundo e o homem.

Estas cinco causas são: Adhistana (mundo ou corpo), Karta (o aspirante fervoroso), Karanam (meios ou conhecimentos), Chesta (execução) e Deiva (o ISWARA ou Causa Geral). 
Eles constituem BRAHM, Causa Total, e, de acordo com suas diversas formações, dão por resultado as bênçãos brâhmicas desejadas.

No GITA são mencionados estes cinco aspectos no versículo que diz “Adhishtanam tada karta karanam cha pritharkvidham vividhasha pritakchesta daivam chivatra panchanam. Destes cinco, Deivam é o aspecto átimico (espiritual), da Causa Brâhmica, e Adhishtana é o aspecto prakrita (material), enquanto que os outros três, Karanam, Karta e Cheshta, são seu aspecto shákti (energia) e denotam, respectivamente, Conhecimento (Gnana), Desejo (Iccha), e Ação (Kriya), que se põem em jogo por consequência da interação de Atma e Prakriti (Espírito e Matéria).

Karta, ou o atuante, se equipara a Iccha (desejo ou vontade) em vista do fato de que todo ser individual é primariamente uma energia-desejo, ou, como queira, um desejo ativo.

A combinação destes cinco fatores da Causa Total Única que é BRAHM, simbolizado como OMKARA e representado em Seu aspecto trino – (Vasustriya) de A-U-M, constitui o mundo manifestado com todo seu conteúdo e seus variados processos evolutivos (Samsara).

De modo que se compreende claramente que tudo o que ocorre no mundo, seja isso justo ou eqüitativo, ou o contrário, estes cinco fatores conjuntamente trazem o resultado (Nyayyam va viparitam va panchita tasya ketavaha).

Em consequência, é uma  ignorância grosseira e desconhecimento da verdade alegar a exclusividade da Causa Espiritual (Atman) e amparar-se nisso quando se deve atuar no mundo com um determinado propósito (Tatrivam sati kartaram atmanam kevalam ta yaha pasyatyakritabuddhitvanna sa pasyati durmatihi). É como invocar o direito à indolência.

O Karma-Yogue, purificado pelo Samnyasa e Tyaga, que dominou o funcionamento destas cinco causas, alcança a liberdade (“Swatantra”), se desempenha em atividades apropriadas a ele, de conformidade com o tempo e lugar, e dedica os frutos de seus atos e a si mesmo ao ISWARA, Causa Geral. Para ele, é uma realidade viva o contato divino.

O representante objetivo da Divindade é Bhagavan Sri Naráyana, em Badári, que permanece em sua agradável forma feita de Deivi-Prakriti, dirigindo o governo deste mundo tal qual o faz o Paramatma, o ISWARA de todo o cosmos; portanto, nada do que ocorre neste mundo escapa de Sua atenção. O Yogues, Gnanis, Devotos e os Grandes Seres da SUDDHA DHARMA MANDALAM oferecem adoração somente a ELE e Dele recebem sua inspiração no desempenho de suas funções; estas, como é óbvio, se sobressaem por sua excelência, já que têm a Direção Divina.

Este Karma-Yoga constitui o fundamento básico para os domínios superiores do Adhyatma-Yoga, aos quais se chega na plenitude do tempo, depois que se tenha dado conta de que já se completou os deveres aqui, neste plano evolutivo do mundo.



[1] Pelo próprio fato.
[2] Segundo a doutrina cristã, obra, palavra ou desejo contrários à lei de Deus.
[3] A mesma constituição do ser humano.
[4] O processo do mundo. Cosmos. É unicamente com o auxílio da Shákti que o Átman pode projetar o Jagat. (Glossário SDM)